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15 setembro 2010

O TEMPO GUARDADO DAS PEQUENAS FELICIDADES

São Luís, 25 de agosto de 2010
Aurora,
Esta tua obra, de belo título, O tempo guardado das pequenas felicidades, é também bonita no seu formato e na simplicidade da capa, refletindo a sobriedade de tua poesia, tua dicção contida, priorizando uma economia estética que qualifica sobremaneira este teu conjunto de poemas já publicados e dos poemas inéditos.
No mesmo dia em que recebi o livro, restringi-me a folheá-lo, manuseá-lo, indagando de mim mesma sobre o tempo ali guardado, adiando o instante de poder saber que felicidades seriam essas em relicário assim delicado e ao mesmo tempo robusto, em grande volume simultaneamente pesado e leve, em minhas mãos ansiosas.
Teu silêncio, quase ausência, nestes últimos anos, depois de publicar três livros de contida poesia, era uma espécie de refúgio, agora revelado num de teus mais belos poemas: tu escrevias! O poema O privilégio da mudez, vem ratificar que “As palavras se desesperam / rompem o que trava a boca / descobrem a fenda salvadora / movem o que está oculto / erram os alvos ou cruzam a linha fatal / do que não deve ser dito / as palavras deveriam ser apenas escritas / e a boca muda.”
Teu livro, Aurora, por sinal, começa com um pequeno poema que já revela uma espécie de preservada felicidade: Varal é confissão sucinta que diz somente isto: “Estirada no varal do coração / escorre o que não digo ou sinto/ a palavra / paz.”
Essa paz que preservas e guardas, tu a tens indelével no coração: relicário de tuas pequenas felicidades ali recolhidas. Tu escreves. E tua poesia reflete esse tempo-guardião assegurando a travessia do que não é dito, e até mesmo do que não é sentido: as felicidades, que chamas de paz, deslizando enigmáticas nas veias desse teu coração.
Conforta-me saber que uma poetisa do teu quilate, consciente desse afazer quase sem recompensa, sente que “as horas de silêncio santificam / o coração atento para o mistério / e o rumor sem fala” que, afinal, gritam alto no coração de teus leitores.
Desculpa, teu livro merece muito mais que estas poucas palavras, eu deveria falar, falar e mais falar, mas me calo aninhada nos furtivos silêncios que se exasperam nos versos que explodem em nós, versos de uma poetisa de fato e de uma amiga de sempre, cujo nome, aurora da graça, reflete a própria poesia: espécie de inaugural e benevolente felicidade.
Obrigada pelo belo livro que foi, te digo, uma auspiciosa e grata surpresa. A amiga, reconhecida,
Arlete Nogueira da Cruz

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