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03 novembro 2016


Ponta d´Areia

 a vida
troca unguento por sal
descabido
goteja na ferida

o sangue invisível não revela a dor

entre os dentes a faca de fio cego
de nada serve


(Horas Avessas...inéditos, 2016)

Ponta d´Areia

LAMPARINAS ACESAS NO TEMPO

Agora és só um retrato na sala de visitas
sobre a mesa do meu sonho
o que resta de ti é meu coração iluminado da luz
que no tempo espalhavas pela vida

o que resta de ti são teus passos pela casa
passos vindos passos idos claudicantes
bem pequenos na direção da luz do sol
na varanda debruçada para a noite

o que resta de ti são meus braços
rodeando tua imagem imaginária
suave tocar de pele nas horas mornas da noite
nas horas claras do dia

o que resta de ti
são as águas escolhidas pra teu banho
são aromas refrescantes no teu corpo
o que resta de ti são teus gestos nos cabelos
no teu rosto apontando teus sinais
o que resta de ti guardo na alma
e no meu peito esvaziado
o que resta de ti são momentos
vida longa atravessada em minha vida
teus conselhos teu chamado intermitente
teu riso “ora veja”! se eu dançava...
O que resta de ti a noite esconde
tua inquietude tua pele consumida
teu corpo antigo exaurido e sem vigor

o que resta de ti permanece na casa sem tapetes
em teus vestidos macios de algodão
cor de rosa cor do mar e cor do céu
na gaveta de cedro bem guardados
o que resta de ti são os raios de sol
na vidraça dos vizinhos
o próprio sol nadador de muitos mares
o que resta de ti lateja no meu peito de asas partidas
nos meus braços vazios de tua fragilidade
o que resta de ti lacra meus olhos de ver tua vida
como chama de vela de cem noites de mil dias

o que resta de ti são teus filhos
fragmentados uns dos outros
o que resta de ti alivia nossas dores
ameniza teu sono involuntário
amortiza tua falta junto a nós
o que resta de ti é a cadeira solitária
tua cabeça pendida sobre o ombro
teu sono diário e teu espanto
o que resta de ti são lamparinas acesas no tempo.
Andando pelas ruas de São João Del Rei (set. 2016)

17 março 2013

"...um longo corredor através do qual se estendem heras que vazam dos rodapés" (AlexSens - http://migre.me/dICxI)

07 janeiro 2013














A tarde pelo meio encalha no caroço de nectarina
salivado na boca da mulher velha.
A tarde revira o vento pela janela do quarto
protegido da tarde ensolarada.
Caroço de nectarina __ cavado em reentrâncias e curvas
tal cérebro endurecido fora do corpo.
A dureza do caroço devorou o amarelo/vermelho
da casca/polpa.
Doce sabor de tarde ensolarada.

(augraca, 2013, janeiro, 5)

03 janeiro 2013


















2012 - Ano pelo fim Ano véspera do que virá

Caminho pela cidade mutilada.
Sobrados seculares abrigam automóveis e mendigos.
Caminho pelos restos de passado e glórias corroídas
beirais tinturados de limo e sol.














Tempo perdido entre escombros.
Cidade quatrocentona!
Quatrocentos becos
quatrocentas pedras de cantaria
quatrocentas ladeiras











quatrocentas praças destroçadas.
Foram-se as alamedas floridas.
Nas ruas estreitas afloram crateras
pedras centenárias esbarram nas calçadas
_ atropelam teus sonhos senis.
Cidade de quatrocentos anos!
Teu presente se entontece na modernidade
chips e outras quinquilharias cibernéticas
sombreiam teus escritos parnasianos
teus poemas de amor soletrados nas janelas de outrora.
400 desejos
400 amores
400 segredos camuflados nos porões.
Tempo perdido entre escombros.
A flama do tempo moderno te acena
do lado oposto onde o mar desenha seu bailado.















Aurora da Graça (São Luís, 31 dezembro 2012)

13 novembro 2012


Caminho no escuro dos teus olhos fechados. 
Costuro meus órgãos com espinhos. 
O pior de tudo é haver sol e o pedido de que a vida continue.

30 outubro 2012


















82
A mesa de trabalho trai o pensamento
caneca de chá
mil canetas
lápis de todas as cores
livros abertos
páginas marcadas
o aparelhinho de música
mudo
algo aflora nesse emaranhado
silêncio.
83
Os retratos dos mortos pousados sobre os móveis.
Ares de alegria em uns
outros de olhar vago miram o futuro.
Mortos entrelaçados com filhos netos maridos.
Mortos revoam no pensamento diário
indagam o que ficou perdido
na intenção dos abraços
nos afagos que a timidez impediu
mortos emoldurados na sépia imposta
do tempo esgotado da vida.