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26 maio 2008


Eram frestas
o que se podia ver
o que estava por dentro era adivinhado
como se imagina o dia que ainda vem.


(AuGraca, maio, 20)

SÃO VICENTE DE MINAS


DÍVIDA DE PÃO

A mulher veio primeiro
cabelos mais brancos que neve
pés expostos ao frio

o homem negro
sob chapéu de abas largas
cinza de cor seu paletó
pede poucos pães

o rapaz adentra
quer café quente e açúcar
cabelos negros de moldura
para sua face
bela

entram outras mulheres
com suas vestes rancheiras
aprumadas sob o frio de Minas
escolhem leite frio

sobre o balcão o caderno de notas
crediário
para os que alongam sua dívida de pão.

(AuGraca, SVMinas, maio, 25)

RIO DE JANEIRO


O SILÊNCIO DA CIDADE

O Corpo de Cristo (no calendário)

esvazia a cidade

andar por ela é olhar o tempo de um século que já não é
a cidade e seus portais de marfim e alabastro
pedras de cantaria

a cidade vive o tempo esgotado nas moradias antigas
pedra de lioz e calmaria
exulta o silêncio do vazio visível nos caminhos de sol e sombra
na paz quase absurda que a envolve

a cidade está livre entre o mar e a montanha

fulgurada nos vitrais de suas igrejas
permanece alheia aos apelos do mar que a banha
entrega-se aos passantes retalhados de desejos
vida simples e outra fome

a cidade se apodera da manhã
prescinde dos tempos vesperais e vive
como a eterna debutante da aurora
no silêncio que o Corpo de Cristo testemunha

nas casas descoradas muito antigas
o silêncio sustenta suas vigas
galpões devassados pelo pó serragem e o que restou
trastes imprestáveis portões sem tranca ruas em curvas
e ruínas do que antes foi palácio
casas que abrigaram os que chegaram com o Rei

a cidade sob sol e silêncio afastou o vozerio
para lembrar sua longa história de festas e reinados

nos tempos deste século sonha desmemoriada
em seus cômodos cedidos ao comércio de apetrechos

vagar

pela cidade envergonhada de seus crimes
compungida de suas perdas se desnuda
vigiada pelo Corpo de Cristo exibido no calendário.

(AuGraca, Rio de Janeiro, maio, 22)