Era musa
e parecia ser Anjo.
Era musa.
....
Naquela tarde de maio
(ou era junho?)
o Anjo
água escorrendo natural e pura
postou-se à minha frente sorrindo.
E ninguém me ouviria
mesmo se eu gritasse.
....
Era candeia
e parecia ser o lume.
Era a candeia.
...
Nomeio-o
Alma
adequado ao clarão
que traz consigo.
...
Nem distraído
nem remoto
este Anjo
apenas hesitante
entre o bem e o mal
como se um e outro
ele não fora
e assim desapercebido
ora luz ora sombra
passasse por mim.
Em contrapontos.
...
Era quimera
e parecia ser o amor.
Era quimera.
...
Graça flutuante
figurava estar sentado.
A cabeça era magra
coberta de cachos
junquilhos
de onde o sol jorrava.
As asas
mantidas fechadas
tocavam o chão
longas emplumadas
o corpo intangível.
...
Seus olhos
castanhoverdecinzadourados
escarlates me olhavam
como se fossem
desde sempre
a límpida palavra.
Era belo
e assim se apresentava.
...
Era o caule
e parecia ser a flor
Era o caule.
...
Veste-se de blue
e um fio transparente
costura-lhe
asas e costas.
...
Quer ser apenas
azul e belo
como é a paixão.
...
Era flexa
e parecia ser alvo.
Era flexa.
...
O que quer
não me confessa
apenas deita
sobre o poema
e afaga as vestes.
Depois
muito depois
enrolando os caracóis
chora a pátria oculta
hemisférios
alguma tarde de amoras
melodia
perdida na memória.
Que Anjo é este
e a que vem?
...
Era a Beleza
e parecia ser a Beleza.
Era a Beleza.
...
Filho pródigo
abandonou a casa.
De seus vestígios de musa
de seus lampejos de Anjo
brotaram todas as lágrimas.
A dor
incrustada na curva da porta
esperou por muito tempo
a volta.
Depois no rubi deste coração
escreveu seu nome.
[Neide Archanjo, p. 111-121]