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27 novembro 2007

POEMAS NOVOS

(foto de Fernando Rezende))

VILA DE SÃO LUÍS

Esta ilha que os franceses ocuparam
os portugueses riscaram o traçado
de uma vila com morada provisória
nos sobrados de mirantes e azulejos

tantos anos centenas se passaram
e resistentes os sobrados permanecem
enfrentando a ruína e a descrença
do mesmo povo que outrora se ufanava
das histórias de guerreiros e poetas

ninguém mais crê na beleza de outros tempos
porque hoje seu corpo é recoberto
de negra pele sobre as ruas onde antes
suas pedras brilhavam ensolaradas
ou na noite refletiam o sofrimento
dos poetas exilados em pedra cinzelada
como vigias de praças mal cuidadas

ruínas de sobrados seculares
ruas escuras umbrais de esconderijos
retrato do quanto se mostra destruída

na cidade antiga suas casas
ficaram relegadas ao passado
sua história atravessou pontes e ruas
e se instalou nas casas verticais
onde o povo se entrega aos novos tempos
onde as idéias e os poemas ficaram nas estantes
trocados por consumo tédio e farsa.
IMAGENS DA TV

O que a tv nos mostra sem piedade
choca
apavora
e nos confunde
sinaliza um futuro que amedronta
disfarçado entre novelas e cantigas
nesta pátria de horrores e lamentos

forja em nós um sentimento que permite
viver entre a coragem ou o desatino
o que não tem desenho próprio
o que se transfigura e foge
ao que se vê
seja guerra
tristeza
ou abandono

prenúncio do porvir?
essa incógnita armadilha ou talvez encruzilhada
(uma nuvem que não se muda em chuva)

seremos nós as vítimas do medo
a cada passo e a cada cena
a cada pensamento ou imagem que nos mata

encurralados pelo horror e a violência
somos os humanos
vítimas da derrota que retalha e mortifica
a quem não olha mais atento
a luz ou o fosco desta vida

o que nos resta entender?
o quanto nos custará sobreviver nesta ilha de ilusões
e quantas lágrimas
quantos desejos oprimidos
quantas alegrias ficarão aprisionadas
no charco das senzalas brancas da agonia?

TAREFA DE ANJO

Se abrissem meu coração
com as facas cegas que não enxergam o sonho
mesmo assim
talvez descobrissem que nas veias encobertas
moram as palavras invisíveis que em segredo
relatam para si mesmas os delírios eloqüentes
cravados em cada sílaba - os delírios da felicidade!

se abrissem meu coração
com as facas afiadas que refilam o sonho
veriam pela fresta anunciada
o avesso a que chamamos esperança
e me veriam despojada dos andrajos
com minhas asas de anjo e as mãos abertas
marcadas dos sinais de todas as vitórias
depois de ter cavado nos escombros
das veias movediças que o coração abriga.

PRIVILÉGIO DA MUDEZ

A mudez é o inferno
o não adivinhar o alvo
o deixar que o não dizer se faça
se contraponha
ao delírio
de falar

palavras tem pressa
para incautos e desavisados
fogem da boca como lanças afiadas
para atacar ouvidos que não querem ouvir

o que é dito extrapola
causa pânico ou simplesmente dói

se propõe
se acalma
ou se ajuda
pode vir pela via torta
do sem limite ou cerca

palavras-punhais
retalham
ferem à traição
jogam-se como artefatos anônimos
atingem os desprovidos da sutileza
que emoldura a crueldade
atingem os sobreviventes
da lucidez ou do medo
ou da equivocada transparência
palavras ao vento
às vezes inconseqüentes
mal ditas
palavras sem a medida
exageram e afastam a verdade

o que não se diz
deveria ser a ordem
o que a boca fala
deveria ser o som do coração
e não a indelicadeza
o que se diz pode não vir da alma
o que não é dito sim
pode ser o sentido e a intuição

as palavras se desesperam
rompem o que trava a boca
descobrem a fenda salvadora
movem o que está oculto
erram os alvos ou cruzam a linha fatal
do que não deve ser dito
as palavras deveriam ser apenas escritas
e a boca muda.

FUGA DAS ÁGUAS

Foi-se outubro
com seus ventos e suas nuvens de chumbo
a chuva esperada escapa entre uma lufada e outra
essa água vertical é ausência
quando podia ser milagre
para as mangas os cajus as samambaias
e as pedras.
(AuGraca)

30 outubro 2007

FRAGMENTOS

A MULHER DE COSTAS (Marcia Tiburi, 2006)

“ meu olhar reluz a pedra translúcida”
“ ...é aurora no tempo que me cativa, esse tempo fino que ele traz guardado entre as suas várias peles”
“a luminosidade da boca condensa em odes a tristeza, a sede e o silêncio”
“mastiga no lento o sagrado do dia”
“elas vinham perdurar o cansaço e empilhar o tempo ressequido”
“...e se entendiam entre os líquidos da vida”
“eu esperava a aurora com sua luz rósea”
“...o deserto não existiu sempre, que foi um resto da lágrima salgada que secou sobre as pedras”
“o grão de sua alma voa ao solavanco do vento”
“Sei que vê melhor com os pés no chão, são seus olhos rastejando.”
“a alma era um brinde que teria até a hora de sua morte.”
“É cedo na manhã que desaba.”
“Ela carrega a verdade como um fio de cabelo que ata os mundos.”


MAGNÓLIA
(Marcia Tiburi, 2005)

“ não um choro de exatidão de lágrimas que escorrem, mas do recolhimento e do esgar vagaroso.”
“... mas deixou o fio intangível da meada.”
“o futuro é a libélula que esqueceu onde pôs os ovos.”
“A paisagem é o espírito do espaço.”
“...sobrou apenas o cheiro como uma lembrança avessa, destas atadas de silêncio;”
“O espírito da árvore está preso dentro da folha prensada sobre a qual se escreve e desenha;”
“A vida é a insônia eterna.”

29 outubro 2007

Helena Schopenhauer Borges

“Deixei sinais do meu asilo no seu corpo
Nossos olhos de antes entrelaçados
aves
hoje voam sem coragem
além do sempre onde fomos colocados,
eu, você e as cartas do impossível
nada que apague o amanhã
em sonhos descorados
com que esperei-te um dia na janela
e minha casa era seu corpo
e suas mãos roubavam o meu tempo
agora é só o lamento da rima lassa
onde me lembro
o dó
e ainda que eu te beije,
não te vejo.”
(Helena Schopenhauer Borges)

29 setembro 2007

[Desenho de Marcia Tiburi]

ASAS PARTIDAS
Aurora da Graça

Meu corpo resiste
submerso na sombra do abandono
que teu olhar desatento me exilou

Meu corpo procura
o rumo das vertentes obscuras
para nelas reconstruir com seus destroços
os precários contornos da alma estilhaçada

Algo essencial está perdido
a medida do corpo
a lucidez e o travo
a máscara
os laços
a luz

Meu corpo perdido de si mesmo
vibra no silêncio a decadência
o aniquilamento
o vôo de pássaro ferido
asas partidas
ampulheta ao contrário
desejos vazados
milagre em vão.

13 setembro 2007

A CRINA
Fernando Chuí

Cavalgo em teus escombros.
Na superfície, ruínas;
no fundo, uma paisagem.
Vejo ali um pulsar
muito maior do que a minha paz.
Dentro de mim, uma distância
que mergulha em tuas secas;
faz dos teus ruídos
minhas preces.
Não sei te montar;
só durmo agarrado a ti
para tragar pra dentro dos meus azuis
teus pesadelos.
Na superfície, eu te aperto;
no fundo, um espasmo.
Afago a crina de cinzas
e sopro meu nome sobre ela.
Sob a nuvem de pó que se levanta
um vermelho vivo se revela.
Sei que são brasas tuas bocas,
mas beijo-as mesmo assim.
Na superfície, me queimo;
no fundo, me protejo.
Pois tua miséria é um cavalo indomável,
sem dono, sem nome,
sem cabimento.
.
Na superfície, eu te necessito;
no fundo, eu te amo...

29 agosto 2007

OFÍCIO DE ESCREVER

Aurora, 1978, RJ

VATICINIOS DA NOITE

Enquanto os dias se sucedem
na rotina e seus avessos
atravesso a linha tênue do cansaço
sem alarde e sem começo.

Ao acaso percorro os arredores
das ruas sinuosas muito antigas
mostruário de azulejos e vitrais
cercadas de escadarias.

Por elas
o que resta de sol se confunde com a lua
espelho da fatal face da noite
nesse encontro temerário e sem partilha.
Contudo, dormes.
E enquanto todos se entregam
e sonham ou insones se rebelam
escavo nos vãos da madrugada
as palavras que dirão mais que o silêncio
aos teus ouvidos refratários
ao que não seja bom e belo.
Enquanto dormes
vagueio cega e amordaçada
sob os escombros de desejos assinados
estilhaços da espera inútil e sem costura.
Enquanto dormes
reforço meus passos trôpegos
e sigo
na incandescência do que me clareia
vazando a noite pelas escarpas do impossível
na insistente e interminável escolha do sentido
para vencer o assombro e as incertezas
e acreditar noutra memória do que foi vivido.

Então será fácil te dizer
que o amor leva suas grandes asas
para o tombadilho imaginário
onde o sal arquiteta seu pouso e sua medida
nos alicerces desiguais que o sonho medra.
Enquanto dormes
a noite, maior que sua própria escuridão
profunda inacessível inoportuna
recolherá os fragmentos de teus medos
te libertará dos destroços que a ilusão promove
e inundará com matizes de todos os luares
tua face pálida
portal de teus segredos insensatos
e assim, outros sóis oriundos do Oriente
(talvez da China do Japão ou Indonésia)
poderão compartilhar com as estrelas
o brilho visceral de teus olhos distraídos.

(AuGraca, 26 ago. 2007)

12 agosto 2007

Sobre Ser Amado (trecho)

...“Porque é preciso aprender a despertar o amor,
sem pudor ou receio
de ofender o mundo com o nosso brilho.
É preciso saber fazer a triagem.
Escolher as pessoas exatas
que vão se apaixonar pelas nossas paixões.
Aquelas que vão se atirar em nossos abismos.
Que bebam até a última gota de nossa sede.
Que se espelhem em nossa beleza.
Porque ser belo é algo mais nobre do que mirar o belo.”...


(Fernando Chuí)

09 agosto 2007

PEDRO DE AVELAR

Tia Aurora e Pedro - um aninho! Batizado!
Pedro chegou pelas ondas da internet para fazer todo mundo feliz!


07 agosto 2007

Fresta! - Blog do Chu�: Soneto de Infidelidade

Fresta! - Blog do Chu�: Soneto de Infidelidade

POEMINHA PARA COMADRE!

Lençóis Maranhenses, julho 2007(Foto de Fernando Rezzende)
Lúcia,

Uma lágrima desata quando dizes o que sentes e me julgas boa.
Estaria essa lágrima perdida entre os desvios que a emoção esconde?
Ou teria renascido do próprio sal que me seca as vertentes da alegria?
Quando dizes o que sentes devagar
oscilando entre o amor e a delicadeza que a amizade instala
me refaço e me contraio exigindo de mim mesma
que me orgulhe dos encontros presumidos e das perdas ocultadas
entre as brechas de luz que toda alma emana.

[Au, 06/08/2007]

AMIGOS FELIZES!

Gisele perde a pose mas não perde a foto!

CONTRASTE DE BELEZA!

Fernando Rezzende no Centro Histórico, São Luís, MA

QUADROS E SORRISOS!

Au, Fernando e Deborah

BARCOS DO MARANHÃO

Exposição de barcos na Casa do Maranhão, Praia Grande, São Luís
(Foto by Fernando Rezzende)

06 agosto 2007

POEMAS QUE ME ENCANTAM!

Dois Fogos
(Desenho e poema de Fernando Chuí)


Há na alma algo de metal

que se funde em coisas sem nome.

Há no corpo algo de papel

que se queima ao inevitável.

Há no universo algo de plástico

que se derrete, anti-galáxia.

Há na memória algo de pano

que se eleva, bandeira em chamas..

E há dois tipos de fogo:

um que lume

e outro que incêndio;

um que ardor

e outro destruição;

um que cauteriza

e outro que carboniza;

um que aceso

e outro que apago;

um que dança qual labareda

e outro que agoniza qual epilético;

um que calor

e outro que dor...


Há dois tipos de fogo:

o primeiro é o mesmo que o segundo.

Filhos da mesma combustão,

da mesma fumaça

- um é pai do outro

e vice-versa..

Cuidemos, pois, da brasa e do carvão..

Dois,

em cada um de nós.

Que o mesmo fogo

segue os dias a cinzelar.


17 julho 2007

BRENO NAHUZ, nove anos



Breno Baptista Nahuz

16 DE JULHO

Entusiasmo de ver todos os filmes do Harry Potter

olhos bem abertos para rasgar os papéis dos presentes

alegria de brincar no Danny's Park

fome para almoçar iaksoba e rolinhos primavera no Hangai

beijos no pai na avó e na sua amiga velhinha

contínua presença em nossas vidas

segreda desejos de ser ator quando crescer.


23 junho 2007


PROCURA INSANA

Arrisco o dia
quando busco a luz

que se ocultou em teu olhar.

Arrisco meu avesso
para encontrar meu coração
fragmentado em fibra e veia
esgarçado e inútil.


(Aurora da Graça, 2007)
TESTAMENTO ANTECIPADO

Não quero ser a mulher velha
pensativa
que lamenta seus humores
seu excesso de decoro
suas idiossincrasias
não quero ser a mulher velha
sem o brilho nos cabelos
sem a boca que deseja beijos grandes
e calores pelo corpo
por inteiro
não quero ser a mulher velha
pelos cantos do planeta
sonhos recolhidos no pavor sem lucidez
do vivido ou imaginado

não quero ser a mulher velha
ofegante temerosa de seus passos
pés calçados meias grossas e pantufas
não quero ser a mulher velha
esquecida dos amores que viveu
nos poemas reescritos na memória em desalinho
não quero ser a mulher velha
controversa sem pudor ou alegria
compelida a rigores que massacram suas irmãs
não quero ser a mulher velha
idéias cruas sem o lume da poesia
para entender as dobras do oculto
nas ranhuras fatais da agonia
não quero ser a mulher velha
construída de ossos fracos
pele em franjas sem nácar que realce
os anos do fulgor inexistente
não quero ser a mulher velha
riso apagado complacente
e nenhuma gargalhada
não quero ser a mulher velha
alheia ao tempo ao tédio
combalida
entregue às farpas da amargura e só.
(Aurora da Graça, 2007)

MENINO SANTO


















SÃO JOÃO BATISTA, menino

A devoção materna te vestiu de santo
quando, ainda menino tu sonhavas
os sonhos do futuro prometido
entre roseiras de quintais secretos.

Um futuro com espinhos te aguardava
mancebo de tanta formosura
de menino para homem segredaste
para ti mesmo um destino de aventuras.

No futebol consagraste euforia
entre bandeiras que o povo sacudia
e a que detinhas era maior e colorida
para saudar o time preferido
nas listras coloridas da alegria.

Quando soldado uma guerra te apontava
a batalha instalada em tuas veias
(frágeis vias sem vitalidade)
essas veias modelaram teu destino
e te feriram mais que facas afiadas
pra cortar tua vida e seu sentido.

Também foste mascate pelas ruas da cidade
funcionário também das escrituras
dominaste mil tarefas transitórias
entre o olhar para o futuro e a monótona rotina.

Só teus pés não bastaram para a trilha.
Foste muito pouco para tantos sonhos
foste inacabado para tantos planos.

As palavras se misturam na memória
pra falar de ti e teus temores
teus desejos teus anseios e teus medos
e a extrema complacência com ti mesmo.

(Aurora da Graça, 2007)

20 junho 2007

CLARIDADE DA ACOLHIDA


CLARIDADE DA ACOLHIDA

Quisera ser amiga da noite para com ela ou dentro dela
compartilhar de seus mistérios e armadilhas.
A claridade que me alucina durante o dia
me oculta para o resto das horas e durmo
impedida de perceber o que a inspiração dos deuses
traz para cada um.
Aproveitando os vestígios de luz que a noite ainda recebe
da lua escondida em alguma nuvem
de algum sol que fugiu da China
de nosso coração em brasa
das fogueiras que os amantes acenderam ao seu redor
da tarde ensolarada deste norte
dos olhos incandescentes e atormentados pelo que não viram
do vermelho do sangue derramado
em lágrimas ardentes pelo mundo
de onde terá chegado essa réstia de luz ao teu peito
do coração de quem não está?
Lúcia Fernando Anita
do sono profundo e adolescente de Vitor
da discreção de Ana
da eufórica Dodora
da ansiedade de Jane
da sisudez e sabedoria de Zeca
do bom humor de Márcio
do ar reservado e quieto de Zé Carlos
da baianidade escondida de Inez
de onde?
talvez da paz de Dona Anita no colo de Deus?
Me ilumino da claridade desta manhã
e te acolho com a alegria da amizade
que faz de nós criaturas abertas para a vida.
(Aurora da Graça, 2005)

13 junho 2007

O ASTRONAUTA

Breno em sua capa de Spiderman
mais parece um astronauta!


Inusitada procissão














Vi esta procissão na praia, em pleno sol a pino.

12 junho 2007

Declaração de Amor

Soneto de Infidelidade
(Para Marcia, minha eternidade)
(Fernando Chuí)

De tudo em ti, o que eu mais desejo
é justo o que eu ainda desconheço.
Da flor, o ocaso; o pólen de um começo
que te faz renascer a cada beijo.

Daquela que eu amei noutro festejo
o que restou eu hoje já me esqueço.
A tua nova pele hoje eu teço
e já não és a mesma quando eu vejo.

Confesso meu deslize e falo sério:
Te traio com ti mesma todo dia
e espero então que me traias de volta.

Pois a paixão de ontem é vazia.
Mortal e eterno o amor é uma revolta
que arde os nossos corpos no mistério.

12 maio 2007


CORAGEM

Joga em meu coração
tua imaginada lucidez
encilhada nos flancos de dores intermináveis

Apazigua tua alma cunhada de assombros
nas conchas de cristal que trouxeste do mar
e guardaste no meu coração desprevenido

joga em meu coração
tuas poucas palavras
teus gestos infantis
tuas secretas miragens
tua fome minada de versos
tua inconsútil tristeza
teu martírio.


(Aurora da Graça, 2007)

10 maio 2007

MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

Clarice Lispector

Viva como sua literatura

A mostra de Clarisse faz juz ao seu conteúdo e põe em xeque a potencialidade do museu que não poderia fazer melhor.

Por Marcia Tiburi

Entrei no Museu da Língua Portuguesa com aquele grau de vazio que é necessário quando queremos uma matéria que revele a coisa e não a nós mesmos em nossos saberes e ignorâncias. Um vazio quieto, não um vazio mentiroso, lotado de idéias e projetos.

O Museu da Língua Portuguesa, por si só, já basta para provocar o bom espanto que faz pensar: como nos tempos do visual, em que nosso país demonstra sua vocação para o ágrafo - é possível romper com o espetáculo e criar atenção para as palavras sem fazer delas o novo espetáculo?

Que museu é uma coisa que dá medo talvez ninguém conteste. Que ali as coisas estejam mais vivas em sua morte, ou mais mortas em sua morte, talvez também não seja novidade. A mostra de Clarisse faz juz ao seu conteúdo e põe em xeque a potencialidade do museu que não poderia fazer melhor. Primeiro, na mostra, se vê o rosto da linda Clarisse em momentos históricos, logo as frases geniais de Clarisse são apresentadas no corpo das paredes, ou em fragmentos luminosos, verdades brancas para se ler no escuro. Depois vêm os documentos, fotos, cartas, manuscritos dentro das gavetas. Tudo o que de luminoso pode ser recolhido na vida literária da estrela. Sim, ela era uma estrela, das que iluminam de verdade.

Mas no fundo da mostra, um vídeo põe em confusão todos os tempos de Clarisse Lispector e perturba nossa relação com ela. Levei um susto emocionante, pois se tudo o que eu vejo hoje na forma vídeo não resiste ao meu olho - pretensamente lúcido - não posso dizer o mesmo agora. Sucumbi a um horror que só o vídeo pode realizar na sua mentira sagrada: Clarisse aparecia em movimento, mas também em outro tempo ali instantaneamente guardado. Ela estava viva ainda que morta. Estava viva como sua literatura. Fui tomada de um respeito, aquele que se explica no que Kant chamou sublime: a visão das coisas intangíveis, incompreensíveis, maravilhosas. Mirabilia era a imagem da estrela porque era uma não-imagem. Quando eu soube que ela pedira para que o vídeo fosse mostrado apenas após a sua morte entendi o seu decreto: a imagem nunca faz parte da vida. Fala de uma pessoa que não sabe que vai morrer. O corpo saberá?

Walter Benjamin dizia que a fala do moribundo é como a do viajante. Ele também entra em contato com outro mundo. O que ele diz tem o estatuto da verdade. O que disse Clarisse naqueles poucos minutos que podem ser vistos ali não é coisa que se possa repetir. Exige o respeito ao sagrado que só o silêncio pode sustentar. Até profanar exige um ritual: visitar a exposição e em silêncio recolher as lágrimas. (Publicado na Revista Cult, n. 113, maio 2007)

30 abril 2007

















GAVETAS MÁGICAS

Tempo perdido de arrumar gavetas
povoadas de coisas inúteis
rastros do que não é mais
imagens palavras badulaques

tempo perdido colado no fundo
entre as frestas
por onde escapa a poeira
do tempo perdido

Gavetas!
Meu tempo perdido na sombra que guardas
quando fechada em ti mesma
escondes meus ou teus segredos
que o tempo diluiu em farelos de madeira

tempo perdido
do que antes era eu
sem as dobras que me esmagam
e me fecham ao olhar de quem me espreita

tempo perdido
sem as alças e seus grampos
para atar-me e não perder-me
como papéis manuscritos
imprestáveis portadores de desejos
inconfessáveis

arrumar gavetas vagar no tempo
entre sombras e fantasmas?

arrumar gavetas para que?
resgatar que tempo?
o que está perdido?
Gavetas para sempre abertas
cheias de lápis ligas tesouras
lupas fita adesiva grampeadores
tubos de cola marcadores de texto

Gavetas que me olham insistentes
sugerindo para elas
de volta meus segredos
em papéis amordaçados e silêncios.

(Aurora da Graça, 2007)

26 abril 2007

Pesquei do blog "Pérolas da Rainha"

(Flávio-Shiró, 1984)

O chão da casa era de madeira
não havia tapetes
apenas o chão de madeira
o chão que cantava enquanto se caminhava sob ele
queixava-se aqui e ali e
amparava corajosamente os passos daquelas mulheres
vez por outra uma delas deitava no chão frio para esfriar o calor do corpo
deitavam e ali dormiam
deixavam seus sonhos entranhados na madeira
a casa emanava sonhos
o cheiro e névoa da maresia
cobria a casa como um cobertor.
(Alba Regina)

23 abril 2007

SÃO JOAO DEL REI

Como é agradável andar nessas ruas!
VARAL DO CORAÇÃO

Estirada no varal do coração
escorre o que não digo
ou sinto
a palavra
paz.
(Aurora da Graça)

18 abril 2007

Juliette Binoche interpreta Maria Madalena no filme que estréia nesta semana : MARIA

29 março 2007

(Claudia Cardinale e Richard Berry - cena do filme 588, Rue Paradis)


Frase de Walter Benjamin (filósofo):

A pior droga é o eu, que tomamos quando estamos sozinhos.

27 março 2007

RAMBLAS

Andas
pelas ramblas
em Madri.

Nesta ilha
cavo brechas
escondo
o vazio
e
me salvo.
VIGÍLIA
Enquanto dormes
tua alma vagueia
engana teu sono
estremece tuas entranhas
deságua em tua boca
e move
o insuportável.
MESOPOTÂMIA
Foi-se o tempo
em que Iraque
era apenas terra
entre rios.

15 março 2007

(desenho de Jeusus Santos, São Luís, MA)

Nomeio-te em segredo
e não te digo
retenho-te nos olhos
e tudo acende
cicias-me ao ouvido
e alvoroçada
recolho-te na boca
e tudo queima.

Ardo sozinha
a mão convulsionada
a desenhar-te em mim.

(Maria Aurora Carvalho Homem, Portugal)

16 fevereiro 2007


Esculpo a página a lápis

e um cheiro de bosque

então me aparece.

Que a poesia é feita de romãs

daquilo que é eterno

e de tudo que apodrece.


(Neide Archanjo, Todas as horas e antes, p. 176)

15 fevereiro 2007

by tarcrb


PEDIDO

Grande força etérea
que habitas os corações
de humanos e de anjos
responde ao meu clamor

nos caminhos mais secretos
solitária persigo Teus labirintos
ao longo dos dias mansos
em que esmoreço e espero

Em que tardes e poentes
terei paz e noites calmas
desejo de ser menina
pés descalços sem feridas
alma comprometida
com Tua Luz

Enche-me de teus silêncios
de Teu rastro e claridão
vestígios de Tua presença
que recusa me invadir
ensina-me
Teus encantos
Teus recantos
Teus lugares escondidos
para largar tantos sonhos
marcados de insensatez

Guia-me
entrega-me
consolida-me
constrói-me
invulnerável
comedida e santa.
(Aurora da Graça, 2007)




Abraça-me
arranca-me
das sombras violáceas
onde sobrevivo
com amarras

Acolhe-me
escolhe-me
para povoar teus sonhos
e neles reencontrar
os eflúvios e os fulgores das manhãs
mesmo que as tardes mascarem sua claridade
e as noites escondam para mim
os teus segredos.

(Aurora da Graça, 2007)

07 fevereiro 2007

DESCUIDO



Pelas paredes como lágrimas
a chuva inesperada se derrama
sem aviso
e transborda
pelos meus olhos ressecados
de mágoas e desejos

Pelas paredes como lágrimas
a chuva inesperada entrega-se
à compaixão dos que atônitos
miram suas gotas opacas
frágeis bolhas líquidas
contidos flagelos
de todas as paixões excluídas.
(Aurora da Graça, 2007)

03 fevereiro 2007

POEMA ANTIGO

Sofá de Freud, S.


DESTA VIDA REVELADA

Que faço deste grito e deste trapo
que faço desta mágoa feita nuvem
que faço deste passo sem trapaça
que faço deste canto intimidado
que faço desta dor se vendo festa
que faço desta vida revelada

que faço deste sonho represado
que faço deste parco sofrimento
que faço do quebrado monumento
que faço dos pedaços destes braços
que faço do vazio – novo espaço
que faço dos vestígios – chão sem praça
que faço – Santo Deus – deste mormaço
que faço do meu súbito embaraço
que faço – moribundo ou estilhaço

que faço da esperança em muitas cores
que faço do arco-íris destes laços
que faço deste mundo renascido
que faço – boquiaberta deste encanto

que faço do penhor deste momento
que faço desta paz – barco sem pressa
que faço repousada dos cansaços
que faço deste cais de mil embarques
que faço do punhal que já não fere
a alma esgarçada e aos pedaços
que faço do conflito desfraldado
que faço desta força posta a prova

que faço da armadura sem fivelas
que faço do porão escancarado
que faço do brincar, do faz de conta
que faço do pileque de ideais
que faço da vidraça ameaçada
que faço da urdida tessitura
que faço do amor obcecado

que faço da criança despertada
no meu peito recoberto de heresias
que faço do meu medo libertado
que faço – capataz e operário
da profunda controvérsia deste sonho

que faço desta oblíqua direção
com desvio siga reto e contramão
que faço desta nova criatura
perdida ainda nos meandros da loucura
que faço pelo menos da ternura
que escondi na secura tão maldita
que faço desta flor despetalada
ao contato inevitável do aguaceiro
que faço destes galhos florescendo
frágil tronco se dobrando ao vento
que faço desta aurora me chegando
que faço desta entranha sem bainha
que faço da iniciação de mim
que faço?

(Aurora da Graça, 1978)

31 janeiro 2007

"O Poeta na Rua" - de António Ramos Rosa

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a amora indecisa demore

Não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração"

29 janeiro 2007

De novo, na ilha

"Novalis, poeta do primeiro romantismo alemão dizia que a beleza é o véu que oculta o caos. A vida é a tensão entre o mágico e o miserável". (Marcia Tiburi)

20 janeiro 2007

FINAL DE FÉRIAS

Andréa Almeida
Logo estarei de volta ao meu teclado e poderei postar aqui com mais vagar. Hoje, chez Andréa, em SP.