I Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca Austera. Toma-me AGORA, ANTES Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes Da morte, amor, da minha morte, toma-me Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo, da fome Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento, Um sol de diamante alimentando o ventre, O leite da tua carne, a minha Fugidia. E sobre nós este tempo futuro urdindo Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo. Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor, Antes do muro, antes da terra, devo Devo gritar a minha palavra, uma encantada Ilharga Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.
II Tateio. A fronte. O braço. O ombro. O fundo sortilégio da omoplata. Matéria-menina a tua fronte e eu Madurez, ausência nos teus claros Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas Em lúcida altivez, eu já sou o passado. Esta fronte que é minha, prodigiosa De núpcias e caminho É tão diversa da tua fronte descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo E vou morrendo. Entre terra e água Meu existir anfíbio. Passeia Sobre mim, amor, e colhe o que me resta: Noturno girassol. Rama secreta. (...)
[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)] [in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]
A moça arranca a venda
olhos descobertos
brilho do mel ocultado nas retinas.
(In)voluntariamente
despe o agasalho escuro
desnuda braços e mente
abstrai o que tolda a luz
cravada no cadinho medieval.
Mostra-se.
2
O destino troca ungüento por sal
goteja desmarcado na ferida isolada
o sangue incolor não revela
a dor.
"Passei a noite vertendo a luz negra no oceano à beira da minha janela arranha-céus afogados olhos de âncora você me dizia ser tudo o que eu queria carregando uma bandeira azul sobre um cavalo de oito patas agarrei-me às suas costas como a borboleta a um tigre e esperei a tempestade passar
quando voltou o sol nasceram asas mercuriais em meus tornozelos"