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23 junho 2007

TESTAMENTO ANTECIPADO

Não quero ser a mulher velha
pensativa
que lamenta seus humores
seu excesso de decoro
suas idiossincrasias
não quero ser a mulher velha
sem o brilho nos cabelos
sem a boca que deseja beijos grandes
e calores pelo corpo
por inteiro
não quero ser a mulher velha
pelos cantos do planeta
sonhos recolhidos no pavor sem lucidez
do vivido ou imaginado

não quero ser a mulher velha
ofegante temerosa de seus passos
pés calçados meias grossas e pantufas
não quero ser a mulher velha
esquecida dos amores que viveu
nos poemas reescritos na memória em desalinho
não quero ser a mulher velha
controversa sem pudor ou alegria
compelida a rigores que massacram suas irmãs
não quero ser a mulher velha
idéias cruas sem o lume da poesia
para entender as dobras do oculto
nas ranhuras fatais da agonia
não quero ser a mulher velha
construída de ossos fracos
pele em franjas sem nácar que realce
os anos do fulgor inexistente
não quero ser a mulher velha
riso apagado complacente
e nenhuma gargalhada
não quero ser a mulher velha
alheia ao tempo ao tédio
combalida
entregue às farpas da amargura e só.
(Aurora da Graça, 2007)

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