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09 dezembro 2010

O TEMPO GUARDADO DAS PEQUENAS FELICIDADES, uma carta


Querida Aurora,

Foi um imenso prazer te conhecer. E agradeço a delicadeza de ter ido ao bate-papo na Feira do Livro. É impressionante como ainda não te conhecia pessoalmente.
Muito me agradou tua poesia envolta em papel de seda, provavelmente porque também tecida com extrema delicadeza: Pela casa / desencontrados e sem lugar marcado / os manuscritos se escondem / em qualquer gaveta sem chave / os livros mofam em qualquer armário sem portas / sobre a cama em desalinho / em seda e linho [...]. Traduzindo a delicadeza da percepção da poeta, a imagem da seda, associada à sensibilidade, está presente em vários poemas, reafirmada na epígrafe de Helena Schopenhauer Borges(à p.251): [...] sou feita de seda e pó. Eu-lírico feminino ciente de que só o coração vê a luz (Olhar aprisionado, p.46), donde advém a quase dependência do amor como fonte de luz e de vida, de redenção das agruras da existência: Achega-te /Arranca-me das sombras violáceas onde sobrevivo (p.31). Importância do amor reafirmada em Intervalo (p.347): Lavei a casa / murmurei teu nome / bebi nas bicas / mais que água / sonho. Poeta delicada, mas que, nem por isso, nega-se à busca de um amor intenso e revigorante: [...] outras vezes, solidária e temerosa / tua voz e teus gestos comedidos / enfrentaram meus afoitos movimentos pela vida (Silêncio Exagerado, p.147).
Sensibilidade à flor da pele do eu-lírico, O tempo guardado das pequenas felicidades é feito de muitos amores: pela alegria encantadora de Breno (p.181), pela lembrança das tias melancólicas (p.187), da temperança do pai (p.195), da presença do gato (p.190), da evocação dos olhos azuis do Menino Jesus (p.194). A esse grande mosaico de afetos e de cores, não poderiam faltar a terra (com seus sabores, danças, serpentes encantadas), como se vê em Trilha das Águas p.230); e a própria poesia, que faz a poeta nascer eternamente: Nascerei tantas vezes / que a matéria de ser / minguará / nascerei do suor / que o gesto alarga / nascerei do fogo [...] nascerei março / nó de pedra / nó de brilho / nascerei trilha / nascerei sol / velas ao vento / nascerei água / aurora [...].
Um beijo.
Lenita Sá

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