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07 novembro 2010

Texto de Marcia Tiburi (orelha do livro O Tempo Guardado das Pequenas Felicidades)


O Tempo Guardado das Pequenas Felicidades abre-se na generosa gaveta do tempo presente: Estirada no varal do coração/ escorre o que não digo ou sinto/ a palavra/ paz. Não haveria por que perguntar pelas motivações da poesia de Aurora da Graça Almeida, mas lhe agradecemos a chave para o delicado segredo deste tempo presente da poesia que se encontra nestes anos de núpcias da poeta com as palavras. O Tempo Guardado habita o agora do leitor trazendo poemas dos livros antigos revisados e a produção atual. Sabemos da palavra que escorre e avisados, podemos seguir sabendo que não se trata de consolação, nem de feridas que assombram toda poesia, nem alegrias ou tristezas ou qualquer sentimento que possa ser nas palavras mero gesto de desafogo.
A poesia é, em Aurora da Graça, a palavra que escorre, não dita, não sentida, dentre outras ditas/sentidas que, afinal, o sentimento não é proibido ao corpo, pode ser corrosão da alma, pode ser vestido de noiva, pode ser só o próprio do coração, temas da nossa poetisa sempre à mostra para nos salvar, leitores, perdidos em busca de sentido ou de beleza, de algo que nos localize na perdição do mundo. Outro, no entanto, é o estatuto das palavras de Aurora.

A imagem que me parece poder traduzir seu trabalho poético – pois não é mais que isso falar de uma poesia que não pede explicação -, é atenção à fome negra. Uma atenção medida, a que nos fala. Aquela que não será saciada pelo pão tingindo minha fome de nada, mas que lembra certo olhar na busca do que não vê/ advinha. Aurora da Graça cuida de ser límpida como nascente, sem esconder a dor da existência que, no entanto, descontrolada nos devoraria.

É por isso, que sua poesia, aparece como um trabalho de busca da poesia pela própria poesia, avisando que ela vem da vida. Que a vida não é outra que a busca do tempo perdido, reencontrado como guardado de pequenas felicidades. Afinal, o que seria ter escrito? Escrever? E o que temos diante de nós é a pinça poética que, delicadamente, cava as possibilidades dos dados da vida e é capaz de perceber paixões excluídas, esboços que não fiz, tempo estilhaçado, rios inavegáveis, dobras que esmagam.

O livro d’O Tempo Guardado é fundo, mas diverte-nos sem preconceitos: imagens palavras badulaques, são vãos de encontro com o tempo perdido colado no fundo/ entre as frestas. Assim,  com o poema, permite-nos o outro lado das coisas que ela mesma arrisca: arrisco meu avesso/ para encontrar meu coração/ fragmentado. Deixando-nos pensar se o avesso/ é o que não se pode ver/ ou é a melhor visão?
Eis que o livro d’O Tempo Guardado tem mil fundos falsos a cada linha. Abri-lo é infinito.

Marcia Tiburi
Filósofa, Professora e Escritora

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