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29 agosto 2007

OFÍCIO DE ESCREVER

Aurora, 1978, RJ

VATICINIOS DA NOITE

Enquanto os dias se sucedem
na rotina e seus avessos
atravesso a linha tênue do cansaço
sem alarde e sem começo.

Ao acaso percorro os arredores
das ruas sinuosas muito antigas
mostruário de azulejos e vitrais
cercadas de escadarias.

Por elas
o que resta de sol se confunde com a lua
espelho da fatal face da noite
nesse encontro temerário e sem partilha.
Contudo, dormes.
E enquanto todos se entregam
e sonham ou insones se rebelam
escavo nos vãos da madrugada
as palavras que dirão mais que o silêncio
aos teus ouvidos refratários
ao que não seja bom e belo.
Enquanto dormes
vagueio cega e amordaçada
sob os escombros de desejos assinados
estilhaços da espera inútil e sem costura.
Enquanto dormes
reforço meus passos trôpegos
e sigo
na incandescência do que me clareia
vazando a noite pelas escarpas do impossível
na insistente e interminável escolha do sentido
para vencer o assombro e as incertezas
e acreditar noutra memória do que foi vivido.

Então será fácil te dizer
que o amor leva suas grandes asas
para o tombadilho imaginário
onde o sal arquiteta seu pouso e sua medida
nos alicerces desiguais que o sonho medra.
Enquanto dormes
a noite, maior que sua própria escuridão
profunda inacessível inoportuna
recolherá os fragmentos de teus medos
te libertará dos destroços que a ilusão promove
e inundará com matizes de todos os luares
tua face pálida
portal de teus segredos insensatos
e assim, outros sóis oriundos do Oriente
(talvez da China do Japão ou Indonésia)
poderão compartilhar com as estrelas
o brilho visceral de teus olhos distraídos.

(AuGraca, 26 ago. 2007)

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