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23 novembro 2010

BELÍSSIMO TEXTO DE FERNANDO CHUÍ

Evandro Affonso Ferreira - O Van Gogh que cortou minha orelha


"Saiu a biografia de Van Gogh. Lindíssima.
Gostaria, entretanto, que os editores me explicassem
o motivo pelo qual o livro tem apenas uma orelha".
(Evandro Affonso Ferreira in Bombons recheados de cicuta)


A figura do artista pobre, solitário e não reconhecido em sua genialidade se tornou clichê na imagem do pintor Van Gogh. Muitos tolos pensam e declaram isso de si mesmos, como se o mundo lhes devesse a fama e que a injustiça maior da humanidade seria o fato de não serem badalados e endinheirados por seu talento incompreendido, Van Goghs perdidos na liquidez da nova era.

No entanto, até hoje, só conheci um ser que realmente fizesse jus a essa comparação.

Evandro Affonso Ferreira escreve diariamente em caneta BIC pelos cafés do shopping Higienópolis, escreve por necessidade, escreve por transbordamento, por encanto e lucidez. Quase tão boa como sua literatura é a sua companhia (a não ser que você tenha estômago muito delicado).

Nesta quinta, Evandro Affonso Ferreira lançará o livro "Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus", o primeiro de sua trilogia de solidões pela Editora Record. Pediu-me certa vez que lhe fizesse a capa, algo que rapidamente produzi, fácil, pois descobrimos que é disso que se trata sua nova fase: uma literatura Tarja Preta!

Absurdado pela beleza das palavras dessa obra, fiz também um texto para a orelha. No entanto, essa foi cortada por Evandro ao se deparar com o belo texto de Juliano Pessanha, filósofo e estudioso de sua obra. Por ter utilizado a outra orelha, Evandro sentiu-se embaraçado ao falar comigo sobre isso. Mas eu lhe disse:

- Van Gogh cortou sua própria orelha, mas somente eu tenho a honra de ter a orelha cortada pelo Evandro Affonso Ferreira!

Quem não tem medo do lobo mau e da literatura que venha nesta quinta-feira ao lançamento deste livro imenso que tive o privilégio de fazer a capa.
Será às 19hs - até as 22hs - quinta agora, reitero, dia 18 de novembro, na Livraria Cultura da Paulista, loja Record.
É isso, abaixo publico a orelha que o Van Gogh de Higienópolis lisonjeiramente me cortou:


"Minha Mãe se Matou Sem Dizer Adeus

Qualquer pessoa que realmente goste de literatura sabe que um livro não é somente um objeto portador de escrituras. É, sim, um ser que, em meio à sua leitura, irá invariavelmente nos manusear, nos apalpar, nos abraçar, nos riscar, nos rasgar, nos amassar e nos amar antes de completar a sua experiência conosco. É nesta compreensão que Evandro Affonso Ferreira esculpe o livro magoado. Minha Mãe se Matou Sem Dizer Adeus nega a beleza a cada domingo-capítulo. Toda página é um bloco específico de rancor. Toda linha significa uma perda. Toda palavra é dor. Mas dor não faz literatura, a literatura é feita de livros. Todavia, o livro magoado dói. Mais do que em ambientes saudáveis, mais do que em amores bem sucedidos, mais do que em classes abastadas, é na complexidade da decadência que a vida que , ao se dilacerar em derradeiras pétalas, dá seu grito estético mais intenso - recupera a intensidade do parto. E o livro magoado nasceu esferografado em guardanapos. O fato é que - em um mundo em que a glória passa distante, a saúde é finita e o amor é um mito – mesmo que em diferentes medidas e diferentes formas de se relacionar, todas as pessoas reconhecem a perda e a desilusão - assim como o desejo obscuro de abandonar o projeto de felicidade recebido natimorto pela civilização. Evandro faz desta decepção uma anti-canção urbana e, deste abandono dos sonhos, ele concebe seu plano literário. O livro magoado é um amigo íntimo que acabamos de conhecer e, não obstante, está de partida. O estilo de Evandro se delineia de forma difícil de definir. Dispensando artigos e compaixão gramatical, sua escrita é ao mesmo tempo lenta como um náufrago que espera por ninguém agarrado a uma tábua de madeira no meio do oceano, e igualmente veloz, como os últimos movimentos de um sujeito a se afogar nos estendendo a mão a quilômetros de nós. O texto repleto de metáforas jamais nos leva a crer que estamos lendo um poeta. A forma como Evandro anuncia imagens jamais nos tira do chão; ao contrário, mantém nossos pés conectados ao solo qual efeito de um vidro de remédios reaproveitado a outras finalidades. A forma do texto e densidade do sentimento servem para criar uma forma de depressão lírica cuja leitura nos é intrigantemente leve .
Por entre pessoas-posfácio e seres éter, Evandro nos acena a possibilidade da assunção de sua pena capital. Tudo é amargo, corrosivo e virilmente fracassado no livro magoado de Evandro.
Difícil definir se “amiga filósofa” é a entidade que o prende afetivamente ao mundo ou se é exatamente aquela que autoriza o personagem a seguir em seu caminho de racionalidade rumo ao fim. Difícil descobrir se é morte ou apelo por alguns instantes a mais de vida.
Ao lermos Minha Mãe se Matou Sem Dizer Adeus é fácil perder o fôlego. E a impressão que temos é a de que ele está se esgotando para sempre. Ele nos diz “adeus meu poeta não nos veremos nunca mais; sei que você treme, mas não é de medo; eu sim”.
Seria impróprio referir-se a este organismo-texto de forma direta, teórica, técnica. Como buscar compreender a palavra dor ou a palavra mágoa por sua definição no Aurélio. Para entender a dor, é preciso permiti-la. Leia apenas se for capaz.
É sempre domingo; chove chora. O livro magoado abre a trilogia das mágoas de Evandro Affonso Ferreira e eleva por fim o fracasso de vida à categoria de obra de arte".
Fernando Chuí

21 novembro 2010

PELE DE SAL


Nada mais resta do inventado
olhar a me soprar desejo.
Nada mais resta
do caminho impuro
pedras negras
e o vento
pele de sal.
Os véus e o torpor costuram
as fendas inscritas no corpo.
 
ESPANTO
Os visitantes chegaram desavisados da tragédia.
Nos olhos céticos
a dor distraída contempla o morto
envoltório calcinado da paisagem.
(AuGraca, 2010)

@HSchopenhauer_

Guardei a pele do lagarto entre as páginas/
um homem morto cantava ao meu lado/ 
era Elvis/
acordei sem saber onde estava.

11 novembro 2010

@HSchopenhauer_


Triunfo de vingança ao ver-te entre fios elétricos/ e eu que pensei não choraria ao ver cimento em teus olhos.  

07 novembro 2010

Texto de Sebastião Jorge, jornalista e professor

Texto de Marcia Tiburi (orelha do livro O Tempo Guardado das Pequenas Felicidades)


O Tempo Guardado das Pequenas Felicidades abre-se na generosa gaveta do tempo presente: Estirada no varal do coração/ escorre o que não digo ou sinto/ a palavra/ paz. Não haveria por que perguntar pelas motivações da poesia de Aurora da Graça Almeida, mas lhe agradecemos a chave para o delicado segredo deste tempo presente da poesia que se encontra nestes anos de núpcias da poeta com as palavras. O Tempo Guardado habita o agora do leitor trazendo poemas dos livros antigos revisados e a produção atual. Sabemos da palavra que escorre e avisados, podemos seguir sabendo que não se trata de consolação, nem de feridas que assombram toda poesia, nem alegrias ou tristezas ou qualquer sentimento que possa ser nas palavras mero gesto de desafogo.
A poesia é, em Aurora da Graça, a palavra que escorre, não dita, não sentida, dentre outras ditas/sentidas que, afinal, o sentimento não é proibido ao corpo, pode ser corrosão da alma, pode ser vestido de noiva, pode ser só o próprio do coração, temas da nossa poetisa sempre à mostra para nos salvar, leitores, perdidos em busca de sentido ou de beleza, de algo que nos localize na perdição do mundo. Outro, no entanto, é o estatuto das palavras de Aurora.

A imagem que me parece poder traduzir seu trabalho poético – pois não é mais que isso falar de uma poesia que não pede explicação -, é atenção à fome negra. Uma atenção medida, a que nos fala. Aquela que não será saciada pelo pão tingindo minha fome de nada, mas que lembra certo olhar na busca do que não vê/ advinha. Aurora da Graça cuida de ser límpida como nascente, sem esconder a dor da existência que, no entanto, descontrolada nos devoraria.

É por isso, que sua poesia, aparece como um trabalho de busca da poesia pela própria poesia, avisando que ela vem da vida. Que a vida não é outra que a busca do tempo perdido, reencontrado como guardado de pequenas felicidades. Afinal, o que seria ter escrito? Escrever? E o que temos diante de nós é a pinça poética que, delicadamente, cava as possibilidades dos dados da vida e é capaz de perceber paixões excluídas, esboços que não fiz, tempo estilhaçado, rios inavegáveis, dobras que esmagam.

O livro d’O Tempo Guardado é fundo, mas diverte-nos sem preconceitos: imagens palavras badulaques, são vãos de encontro com o tempo perdido colado no fundo/ entre as frestas. Assim,  com o poema, permite-nos o outro lado das coisas que ela mesma arrisca: arrisco meu avesso/ para encontrar meu coração/ fragmentado. Deixando-nos pensar se o avesso/ é o que não se pode ver/ ou é a melhor visão?
Eis que o livro d’O Tempo Guardado tem mil fundos falsos a cada linha. Abri-lo é infinito.

Marcia Tiburi
Filósofa, Professora e Escritora

@HSchopenhauer_

  Pássaros arrastam-me pelos pés/ fios de linha sobre o corpo quieto/ moeda de troca é a cabeça/ a visão ocre das coisas me oprime em tempo.

A idéia da noite é o homem que parte em um carro/ Deixa o balde de vísceras/ E o bilhete manchado de sangue/ Lerei meu nome ou a liberdade? 28/10/2010

Passo a noite em claro/ ratos entrando e saindo de meus ouvidos/ chama-me a minha mãe com as mãos em fogo/ desenho em minhas cinzas.

Converso com elefantes deitados à soleira/ caolhos, as patas em chagas/ contam-me do tempo em que havia sol/ convidam-me a descer a escada.
 
O som do vinco da folha que desdobro é o choro da criança que há pouco morreu de fome.(07/10/2010)

O homem sem mãos espia atrás da porta/ um assobio cria o espaço/ subo nos ombros da alucinação/ vejo longe. (03/10/2010)