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17 fevereiro 2008

VORAGEM

De nada adiantará
conduzir meus passos para fora da voragem
mudar a direção
porque muitos são os destinados a atravessar o deserto
e eu
não tenho força nem determinação
posso sucumbir diante da ventania
não há controle
meus passos sulcam as areias e meus pés se afundam
a fuga de nada adiantará
a intenção escapa. Esbarro na luz obscena que o pecado oferece
é hora de saber os rumos da salvação.
(AuGraca, 2008)
ULTRA SONOGRAFIA

Na sala de exames
a mulher de branco me compara com a máquina
para dizer que a garganta é livre.


(AuGraca, 2008)
OUTRA PASSÁRGADA

Não desejo a Passárgada
que Manoel tanto proclama
eu só quero o clarão da lua
e a noite pela metade.

(AuGraca, 2008)

16 fevereiro 2008

DESALENTO

Vaguei ...Vaguei...
perdi a conta dos caminhos e das pontes
atravessei riachos
molhei-me em córregos
não vi peixes nem espelhos
venci as pedras e os escuros
a luz estava em outro lugar

meu olhar alcançou as encostas
escarpas verdes e vivas
e por lá nenhum traço que anunciasse
os rastros de tua presença

o tempo passou
caíram as folhas e a seiva, morta

mudou a paisagem
a procura inútil
o pensar perdeu-se nos versos
a palavra estandarte e guia
emudeceu

de real...a metamorfose
nós e nódoas nos pés
travas
desalinho
e um coração filtrado da amargura.

(AuGraca, 2008)

CHUVA! CHUVA!

(foto de Fernanda Guimarães Rosa)

VÉU LÍQUIDO

Noite úmida
véu líquido
penetras na minha nudez e revelas o que é frágil e sem beleza
olho em mim
decido cobrir o que melindras com tua réstia de gelo

procuro em qualquer mala alforje ou gaveta
o que possa vestir-me
não quero vestidos nem casacos
tampouco uniformes ou trajes extravagantes
sem apuro
o que eu quero mesmo eu sei
encontrar qualquer trapo
para cobrir a nudez inesperada
a nudez que se despetala no tempo
a nudez que acoberta o segredo dos desejos
a nudez insensata dos desvalidos

cobrir a nudez
protegê-la da névoa e do frescor dos ventos
recolher o corpo à calmaria dos panos

noite úmida
véu líquido
cobrir a pele e esconder a nudez no pensamento
não dizer nada
não ver a nudez
não tocá-la
deixá-la ao léu
isentá-la
ignorar que a nudez mostra o corpo e esconde as entranhas
oculta o que medra entre os ossos
move a lucidez do encontro e reduz a incerteza

cobrir a nudez
seus calores e suas ânsias
toldar-lhe o viço
fechar seus poros
abrandar-lhe a fúria

cobrir a nudez
espaço da pele onde a ternura pode fazer morada
moldura ou armadura a esquivar-me das flechas envenenadas
portadoras do que pode matar ou salvar.

(AuGraca, 2008)

MOTIVOS DAS TIAS MELANCÓLICAS















MELANCÓLICAS, AS TIAS

Para pouco servem as tias
os tios não
chegam sempre com alegria
e lançam seus galanteios
dão presentes
contam histórias
e bebem

as tias moram no tempo
seus desejos são poesia do que nem viveram
para alegrar o dia recorrem ao que lhes espia
se agacham na frente do baú de papéis
cartas antigas
cartões infantis
retratos frente ao espelho com o batom da mãe
fitas
convites de formatura
lembranças táteis pequenos objetos
roupinha da primeira caminhada
tudo o que as mães olvidaram
ou não lhes sobrou tempo para guardar
ou uma caixa um saco uma velha mala
falta sentimento nas mães? nada sei

as tias solfejam cantigas para filhos que não pariram
seus amores juvenis eram só literatura
não quiseram desdobrar-se
exibir o dna
falta de amor ou fuga para quem não precisasse compor-se

velhas tias arrematam o que sobra.

(AuGraca, jan. 2008
)