Seguidores

27 novembro 2007

POEMAS NOVOS

(foto de Fernando Rezende))

VILA DE SÃO LUÍS

Esta ilha que os franceses ocuparam
os portugueses riscaram o traçado
de uma vila com morada provisória
nos sobrados de mirantes e azulejos

tantos anos centenas se passaram
e resistentes os sobrados permanecem
enfrentando a ruína e a descrença
do mesmo povo que outrora se ufanava
das histórias de guerreiros e poetas

ninguém mais crê na beleza de outros tempos
porque hoje seu corpo é recoberto
de negra pele sobre as ruas onde antes
suas pedras brilhavam ensolaradas
ou na noite refletiam o sofrimento
dos poetas exilados em pedra cinzelada
como vigias de praças mal cuidadas

ruínas de sobrados seculares
ruas escuras umbrais de esconderijos
retrato do quanto se mostra destruída

na cidade antiga suas casas
ficaram relegadas ao passado
sua história atravessou pontes e ruas
e se instalou nas casas verticais
onde o povo se entrega aos novos tempos
onde as idéias e os poemas ficaram nas estantes
trocados por consumo tédio e farsa.
IMAGENS DA TV

O que a tv nos mostra sem piedade
choca
apavora
e nos confunde
sinaliza um futuro que amedronta
disfarçado entre novelas e cantigas
nesta pátria de horrores e lamentos

forja em nós um sentimento que permite
viver entre a coragem ou o desatino
o que não tem desenho próprio
o que se transfigura e foge
ao que se vê
seja guerra
tristeza
ou abandono

prenúncio do porvir?
essa incógnita armadilha ou talvez encruzilhada
(uma nuvem que não se muda em chuva)

seremos nós as vítimas do medo
a cada passo e a cada cena
a cada pensamento ou imagem que nos mata

encurralados pelo horror e a violência
somos os humanos
vítimas da derrota que retalha e mortifica
a quem não olha mais atento
a luz ou o fosco desta vida

o que nos resta entender?
o quanto nos custará sobreviver nesta ilha de ilusões
e quantas lágrimas
quantos desejos oprimidos
quantas alegrias ficarão aprisionadas
no charco das senzalas brancas da agonia?

TAREFA DE ANJO

Se abrissem meu coração
com as facas cegas que não enxergam o sonho
mesmo assim
talvez descobrissem que nas veias encobertas
moram as palavras invisíveis que em segredo
relatam para si mesmas os delírios eloqüentes
cravados em cada sílaba - os delírios da felicidade!

se abrissem meu coração
com as facas afiadas que refilam o sonho
veriam pela fresta anunciada
o avesso a que chamamos esperança
e me veriam despojada dos andrajos
com minhas asas de anjo e as mãos abertas
marcadas dos sinais de todas as vitórias
depois de ter cavado nos escombros
das veias movediças que o coração abriga.

PRIVILÉGIO DA MUDEZ

A mudez é o inferno
o não adivinhar o alvo
o deixar que o não dizer se faça
se contraponha
ao delírio
de falar

palavras tem pressa
para incautos e desavisados
fogem da boca como lanças afiadas
para atacar ouvidos que não querem ouvir

o que é dito extrapola
causa pânico ou simplesmente dói

se propõe
se acalma
ou se ajuda
pode vir pela via torta
do sem limite ou cerca

palavras-punhais
retalham
ferem à traição
jogam-se como artefatos anônimos
atingem os desprovidos da sutileza
que emoldura a crueldade
atingem os sobreviventes
da lucidez ou do medo
ou da equivocada transparência
palavras ao vento
às vezes inconseqüentes
mal ditas
palavras sem a medida
exageram e afastam a verdade

o que não se diz
deveria ser a ordem
o que a boca fala
deveria ser o som do coração
e não a indelicadeza
o que se diz pode não vir da alma
o que não é dito sim
pode ser o sentido e a intuição

as palavras se desesperam
rompem o que trava a boca
descobrem a fenda salvadora
movem o que está oculto
erram os alvos ou cruzam a linha fatal
do que não deve ser dito
as palavras deveriam ser apenas escritas
e a boca muda.

FUGA DAS ÁGUAS

Foi-se outubro
com seus ventos e suas nuvens de chumbo
a chuva esperada escapa entre uma lufada e outra
essa água vertical é ausência
quando podia ser milagre
para as mangas os cajus as samambaias
e as pedras.
(AuGraca)