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12 maio 2007


CORAGEM

Joga em meu coração
tua imaginada lucidez
encilhada nos flancos de dores intermináveis

Apazigua tua alma cunhada de assombros
nas conchas de cristal que trouxeste do mar
e guardaste no meu coração desprevenido

joga em meu coração
tuas poucas palavras
teus gestos infantis
tuas secretas miragens
tua fome minada de versos
tua inconsútil tristeza
teu martírio.


(Aurora da Graça, 2007)

10 maio 2007

MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

Clarice Lispector

Viva como sua literatura

A mostra de Clarisse faz juz ao seu conteúdo e põe em xeque a potencialidade do museu que não poderia fazer melhor.

Por Marcia Tiburi

Entrei no Museu da Língua Portuguesa com aquele grau de vazio que é necessário quando queremos uma matéria que revele a coisa e não a nós mesmos em nossos saberes e ignorâncias. Um vazio quieto, não um vazio mentiroso, lotado de idéias e projetos.

O Museu da Língua Portuguesa, por si só, já basta para provocar o bom espanto que faz pensar: como nos tempos do visual, em que nosso país demonstra sua vocação para o ágrafo - é possível romper com o espetáculo e criar atenção para as palavras sem fazer delas o novo espetáculo?

Que museu é uma coisa que dá medo talvez ninguém conteste. Que ali as coisas estejam mais vivas em sua morte, ou mais mortas em sua morte, talvez também não seja novidade. A mostra de Clarisse faz juz ao seu conteúdo e põe em xeque a potencialidade do museu que não poderia fazer melhor. Primeiro, na mostra, se vê o rosto da linda Clarisse em momentos históricos, logo as frases geniais de Clarisse são apresentadas no corpo das paredes, ou em fragmentos luminosos, verdades brancas para se ler no escuro. Depois vêm os documentos, fotos, cartas, manuscritos dentro das gavetas. Tudo o que de luminoso pode ser recolhido na vida literária da estrela. Sim, ela era uma estrela, das que iluminam de verdade.

Mas no fundo da mostra, um vídeo põe em confusão todos os tempos de Clarisse Lispector e perturba nossa relação com ela. Levei um susto emocionante, pois se tudo o que eu vejo hoje na forma vídeo não resiste ao meu olho - pretensamente lúcido - não posso dizer o mesmo agora. Sucumbi a um horror que só o vídeo pode realizar na sua mentira sagrada: Clarisse aparecia em movimento, mas também em outro tempo ali instantaneamente guardado. Ela estava viva ainda que morta. Estava viva como sua literatura. Fui tomada de um respeito, aquele que se explica no que Kant chamou sublime: a visão das coisas intangíveis, incompreensíveis, maravilhosas. Mirabilia era a imagem da estrela porque era uma não-imagem. Quando eu soube que ela pedira para que o vídeo fosse mostrado apenas após a sua morte entendi o seu decreto: a imagem nunca faz parte da vida. Fala de uma pessoa que não sabe que vai morrer. O corpo saberá?

Walter Benjamin dizia que a fala do moribundo é como a do viajante. Ele também entra em contato com outro mundo. O que ele diz tem o estatuto da verdade. O que disse Clarisse naqueles poucos minutos que podem ser vistos ali não é coisa que se possa repetir. Exige o respeito ao sagrado que só o silêncio pode sustentar. Até profanar exige um ritual: visitar a exposição e em silêncio recolher as lágrimas. (Publicado na Revista Cult, n. 113, maio 2007)