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16 fevereiro 2007


Esculpo a página a lápis

e um cheiro de bosque

então me aparece.

Que a poesia é feita de romãs

daquilo que é eterno

e de tudo que apodrece.


(Neide Archanjo, Todas as horas e antes, p. 176)

15 fevereiro 2007

by tarcrb


PEDIDO

Grande força etérea
que habitas os corações
de humanos e de anjos
responde ao meu clamor

nos caminhos mais secretos
solitária persigo Teus labirintos
ao longo dos dias mansos
em que esmoreço e espero

Em que tardes e poentes
terei paz e noites calmas
desejo de ser menina
pés descalços sem feridas
alma comprometida
com Tua Luz

Enche-me de teus silêncios
de Teu rastro e claridão
vestígios de Tua presença
que recusa me invadir
ensina-me
Teus encantos
Teus recantos
Teus lugares escondidos
para largar tantos sonhos
marcados de insensatez

Guia-me
entrega-me
consolida-me
constrói-me
invulnerável
comedida e santa.
(Aurora da Graça, 2007)




Abraça-me
arranca-me
das sombras violáceas
onde sobrevivo
com amarras

Acolhe-me
escolhe-me
para povoar teus sonhos
e neles reencontrar
os eflúvios e os fulgores das manhãs
mesmo que as tardes mascarem sua claridade
e as noites escondam para mim
os teus segredos.

(Aurora da Graça, 2007)

07 fevereiro 2007

DESCUIDO



Pelas paredes como lágrimas
a chuva inesperada se derrama
sem aviso
e transborda
pelos meus olhos ressecados
de mágoas e desejos

Pelas paredes como lágrimas
a chuva inesperada entrega-se
à compaixão dos que atônitos
miram suas gotas opacas
frágeis bolhas líquidas
contidos flagelos
de todas as paixões excluídas.
(Aurora da Graça, 2007)

03 fevereiro 2007

POEMA ANTIGO

Sofá de Freud, S.


DESTA VIDA REVELADA

Que faço deste grito e deste trapo
que faço desta mágoa feita nuvem
que faço deste passo sem trapaça
que faço deste canto intimidado
que faço desta dor se vendo festa
que faço desta vida revelada

que faço deste sonho represado
que faço deste parco sofrimento
que faço do quebrado monumento
que faço dos pedaços destes braços
que faço do vazio – novo espaço
que faço dos vestígios – chão sem praça
que faço – Santo Deus – deste mormaço
que faço do meu súbito embaraço
que faço – moribundo ou estilhaço

que faço da esperança em muitas cores
que faço do arco-íris destes laços
que faço deste mundo renascido
que faço – boquiaberta deste encanto

que faço do penhor deste momento
que faço desta paz – barco sem pressa
que faço repousada dos cansaços
que faço deste cais de mil embarques
que faço do punhal que já não fere
a alma esgarçada e aos pedaços
que faço do conflito desfraldado
que faço desta força posta a prova

que faço da armadura sem fivelas
que faço do porão escancarado
que faço do brincar, do faz de conta
que faço do pileque de ideais
que faço da vidraça ameaçada
que faço da urdida tessitura
que faço do amor obcecado

que faço da criança despertada
no meu peito recoberto de heresias
que faço do meu medo libertado
que faço – capataz e operário
da profunda controvérsia deste sonho

que faço desta oblíqua direção
com desvio siga reto e contramão
que faço desta nova criatura
perdida ainda nos meandros da loucura
que faço pelo menos da ternura
que escondi na secura tão maldita
que faço desta flor despetalada
ao contato inevitável do aguaceiro
que faço destes galhos florescendo
frágil tronco se dobrando ao vento
que faço desta aurora me chegando
que faço desta entranha sem bainha
que faço da iniciação de mim
que faço?

(Aurora da Graça, 1978)